sábado, 2 de novembro de 2013

Mania de Casal - Família unida é uma delícia, mas viver grudado impede a autonomia



Fazer parte de uma família unida é algo de valor inestimável. É importante poder contar com o afeto e o apoio de pessoas queridas nas mais diferentes situações. E a construção de lembranças felizes ao lado de parentes, ao longo da vida, contribui para a formação da autoestima e traz segurança e serenidade para enfrentar dificuldades.

Nem sempre, porém, esses laços apresentam apenas aspectos positivos. Determinadas famílias muito ligadas têm regras e valores tão arraigados e particulares que, quando um dos membros tenta agir de maneira diferente, a harmonia se desfaz. Muitas se mostram resistentes à chegada de novos integrantes –genros e noras, por exemplo– que tenham personalidades ou preferências distintas daquelas que consideram ideais.

Por trás da cortina de felicidade, pode existir uma série de problemas. “Um exemplo típico é o casal que constrói um vínculo muito frágil entre si, pois não consegue espaço para fazer os próprios programas e para a privacidade, pois tem de conviver excessivamente com pais, sogros, cunhados etc.”, diz a psicóloga e terapeuta familiar Marli Kath Sattler, coordenadora do Domus – Centro de Terapia de Casal e Família, de Porto Alegre (RS).

Em alguns casos, a convivência estreita atrapalha a definição de papéis. Por exemplo: para agradar os netos, avós passam por cima de ordens estabelecidas pelos pais, prejudicando a educação das crianças.

Como muitos homens e mulheres têm uma rotina de trabalho que exige longos períodos longe de casa, a ajuda dos avós nos cuidados com as crianças é bem-vinda. Mas é preciso deixar claro que se trata de uma colaboração, e não uma substituição de funções.

“Por mais que o relacionamento entre os integrantes de uma família seja próximo, os papéis precisam ser estabelecidos”, afirma o terapeuta familiar e de casal Marcelo Lábaki Agostinho, psicólogo responsável pelo SEFAM da USP (Serviço de Atendimento a Famílias e Casais do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo).

Quando os parentes moram perto, é normal que uns tomem conhecimento da rotina da casa um do outro. O que deve ser combatida é a intromissão em assuntos totalmente particulares, como finanças, hábitos de lazer ou modo de educar os filhos.


“Uma grande dificuldade dessas famílias é compreender que amar não significa fazer tudo igual. Essa crença gera um aprisionamento emocional que, em algum momento, provocará conflitos”, diz a psicóloga e terapeuta familiar Rosicler Bahr, do Intercef (Instituto de Terapia e Centro de Estudos da Família), de Curitiba (PR).

A proximidade excessiva da família complica as mudanças dentro do núcleo, pois qualquer transformação dificilmente agradará a todos, e os parentes acabarão se envolvendo em questões que dizem respeito a apenas uma pessoa ou a algumas.

Exemplos? Um filho que decide estudar no exterior, a gravidez precoce de uma sobrinha adolescente, o namoro de um membro com uma pessoa em processo de divórcio, a decisão de alguém de abandonar uma carreira tida como promissora. Nessas horas, certas famílias revelam sua faceta mais intransigente e a incapacidade de lidar com as diferenças.

Entretanto, a ruptura de hábitos, como deixar de almoçar todo domingo na casa da sogra ou decisões banais como passar o próximo Natal entre amigos em vez de comemorá-lo com os pais, pode causar brigas, cobranças e chantagem emocional.

Alguns familiares entendem essas atitudes como desamor, mas quebrar regras é necessário para exercer a autonomia.

“O mais comum é essa ruptura partir dos adolescentes, já que vivem a fase de questionar imposições e de experimentação”, conta Denise Mendes Gomes, da APTF (Associação Paulista de Terapia Familiar). Mas qualquer pessoa pode e deve abrir espaço pata ter autonomia.

Esse não é um processo fácil e, segundo Rosicler, às vezes, culmina em brigas, decepções e, na pior das hipóteses, em rompimentos definitivos. Porém, abrir mão da própria liberdade traz danos irreparáveis à autoestima e à autoimagem, que farão com que, mais cedo ou mais tarde, a pessoa se volte contra os parentes.

Para Marcelo Lábaki Agostinho, da USP, é preciso conquistar espaço aos poucos e aprender a negociar conforme as circunstâncias. O casal pode decidir que não vai mais almoçar na casa da mãe dele ou dela aos domingos, pois quer fazer outros passeios ou curtir o próprio lar.

“Em contrapartida, pode propor uma visita no fim do dia ou no meio da semana”, diz. O importante, se essa tática for colocada em prática, é explicar que a decisão não tem nada a ver com o afeto. E, é claro, evitar substituir um hábito por outro.

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