Fonte: Globo Repórter
“É legal, companheirona”, diz Fábio Pereira da Silva, técnico judiciário.
O Sansão também nos recebe muito bem. Mais um reflexo de como nossos anfitriões são especiais.
Um domingo feliz, perfeito, pra muita gente seria família e amigos reunidos. Na casa da Cibele e do Fábio não é diferente.
Agora, não peça ordem nessa confusão toda. Nem tente entender logo quem é quem. Os donos da casa fizeram uma opção de vida: não tiveram filhos.
Cibele Habermann, oficial de Justiça: Quando nós casamos, a gente pensava em ter filhos. Só que nós éramos muito novinhos, eu tinha 20, o Fábio tinha 22.
Fábio: Eu falei ‘vamos esperar, vamos esperar, vamos curtir um pouquinho’.
Cibele: Nos anos 90, casar e ter filhos era uma palavra só. Quando você falava casar, era automático, casar e ter filhos.
Fábio: nós fomos para São Paulo. E aí o tempo foi passando, né?
Cibele: você vai vendo as dificuldades que os pais têm, com o adolescente e tal. Então você começa a pensar mais.
Fabio: e aí um dia a Cibele falou ‘Fábio, não tem por que a gente ter os nossos filhos. Ter aquela dedicação integral aos nossos filhos. A gente já tem carinho demais’.
Cibele: sempre faço questão de frisar que eu gosto de crianças, tanto que tenho nove afilhados, acho que não deve ser à toa.
Não é mesmo. Dos nove, quatro estão aqui hoje. E vêm sempre. O Gustavo, por exemplo.
“Quando precisar sair, se divertir, ir na casa de alguém, é sempre na casa deles que a gente vai. A gente sempre liga ‘onde vocês tão, vamos marcar, vamos sair’”, conta Gustavo Delzin, 15 anos.
Mas os dois não são padrinhos só pras horas de lazer não. O pai do Léo, o futuro cantor, que o diga.
“Inclusive na educação. Em conselhos, em como direcionar as crianças, tanto direto para eles, como para a gente. Sabe, quando você dá aquela erradinha, dá aquela pisadinha fora da faixa, aí o Fábio chega ‘você errou, você não devia ter feito isso com ele. deixa o menino, não deixa, deixa’. Ele acaba nos ajudando”, revela Marcelo Feltrin, pai do Leo.
“O pouco que eles estão com a gente eles estão de verdade. Estão de corpo e alma ali, então, eles falam tudo com a gente, eles conversam, eles contam, o primeiro namoradinho a gente sempre fica sabendo quem é, a primeira namoradinha, o que quer fazer; onde quer estudar, pra onde quer ir. Então é legal pra caramba isso aí”, diz Fábio.
Mesmo felizes. Mesmo com o coração preenchido. O casal não para de ouvir perguntas, críticas. Até ofensas.
“Nossa, fui criticada. ‘ah, você não sabe. você é insensível, você é egoísta’. É complicado. Você tem que ficar quieta”, lembra Cibele.
E todo mundo gosta de dar palpite na vida alheia. Aqui, pelo menos, eles são compreendidos.
“Não adianta opinar e forçar também a coisa. Eu acho que cada um tem a sua opinião e faz conforme acha melhor”, diz Gustavo Habermann, pai da Cibele.
Joyce Elis Denzin, afilhada de Cibele: É uma família. Não necessariamente precisa ter o filho para ser uma família completa. Eles se completam com os afilhados, sobrinhos.
Globo Repórter: os agregados?
Joyce: os agregados.
O Rafael é um deles. Namora a Joyce, afilhada de Cibele, há seis anos. Seis anos? Ah, não. Já que todo mundo adora dar um a palpite. Por que eu não poderia?
Zileide Silva: tem um relógio aí, caso queiram ter filhos. Eu vim aqui pra cobrar. A chata vem aqui, atrapalha o almoço e ainda vem cobrar. Você quer ter filho?
Rafael: quero.
O Marcos, irmão do Fábio, também quis. Tem uma filha do primeiro casamento. E, no segundo, encontrou a parceira perfeita para deixar as coisas como estão.
“Essa ilusão que as mulheres têm de casar, ter filhos, ver a barriga crescer. Nunca passou isso pela minha cabeça. Nunca”, afirma Márcia São Romano, cunhado do Fábio.
Quantas famílias é possível formar? Muitas respostas são aceitas, diz a psicanalista da Universidade de São Paulo.
“A família é quem cada um disser que é sua família. A família sem duvida cumpre um papel fundamental de proteção, de reconhecimento num mundo em que somos anônimos. Há um lugar em que nós somos reconhecidos, em que somos amados, levados em consideração, em que alguém se preocupa por nós”, ressalta Belinda Mandelbaum, psicanalista - USP.
“Eu acho pesada essa palavra família, por isso eu encaro a nossa relação como um namoro. E se policiando e tentando sempre ter uma vida leve”, diz Fabio.
A Cibele e o Fábio estão num novo processo. Há um ano deixaram São Paulo. Voltaram pra Rio Claro por uma razão especial. Ou melhor, por quatro razões adoráveis.
“A nossa decisão de voltar foi para tá perto deles. porque nós decidimos não ter filhos, mas nós temos os nossos pais. Então tem que dar uma força, né? Tem que dar uma força, tem que tá perto. Tem que aproveitar”, conta Fábio.
Os pais dele moram a sete quilômetros daqui. Os pais dela bem mais perto.
“Nós moramos aqui e meus pais construíram uma casa aqui bem do ladinho”, diz Cibele.
Globo Repórter: e eles não acabam interferindo na vida de vocês? mesmo falando que não, isso não acontece?
Cibele: de vez em quando.
Fábio: bastante, bastante. Quando a gente veio morar perto, a Cibele falou: ‘a gente vai ter a nossa vida. A gente vai morar perto, a gente vai tá de olho, mas nós vamos ter a nossa vida’. Mas, não tem jeito, ela sai na janelinha: ‘Fábio, o almoço está pronto’. Então, como você não vai gostar de um carinho desses? Então não é uma sogra, é uma mãe também.